terça-feira, 10 de abril de 2012

A Pedra e a Menina Que Caminhava

Ela caminhava ali, como todos os dias o fazia. Levava consigo o cansaço e as pequenas preocupações dos seus dias. Na bolsa, também haviam algumas lembranças que dividiam espaço com seus apetrechos  de mulher. Tinha o tom leve e alegre. Tinha a esperança do recomeço e o olhar voltado para a tranquilidade. Media cada passo com a preocupação de quem um dia não viu onde pisou. Mas, mesmo assim, não desviou de uma pedra que havia no caminho. Estava parada no horizonte, como se estivesse esperando por ela. Como uma pedra poderia lhe fazer mal? Logo a ela que já sobreviveu a tantas coisas. Não tinha que mudar seu rumo apenas por um elemento inerte e tão pouco ameaçador. 

Cada vez que chegava mais perto, ouvia uma voz se aproximando. Era a pedra. Uma pedra que falava. Como pode algo tão seco, tão duro e de formas rudes, falar? Ali permaneceu e ouviu o que poderia vir dali. A pedra falava dos dias, de Deus, da vida, das lembranças, dos planos, passou até a cantar sua beleza e  força, tudo que emanava de sua ouvinte. Logo a menina se encantava pelo que ouvia. 

Descobriu que a pedra tinha até senso humor. A cada palavra dita, a aparência rude e dura se transformava, adquiria outros tons. Mas ainda era uma pedra. Ainda poderia machucá-la. Ainda não sairia do lugar. Para ouvi-la, teria que permanecer ali. E todo o caminho que havia em sua frente? E todos os seus pensamentos que não combinavam com o que acreditava a pedra? Como abraçar algo que pode lhe ferir? Ainda que parecesse outra coisa, era só uma pedra e nada que fizessem iria mudar isso. Seria sempre uma pedra. Contudo, já estava ali a tanto tempo sentada ouvindo, que suas pernas já não tinha força pra se levantar. O caminho não era tão claro, esqueceu a direção. 

A pedra que insistia em ficar lá, falando um mar de coisas que trouxessem qualquer pequeno brilho de felicidade aos olhos de sua ouvinte, percebeu que suas palavras já não eram conforto ou alimento para a menina que caminhava. Precisava ir embora para que sua pequena conseguisse voltar a ver o caminho  além dali. Sentido a dor de quem arranca o coração do peito, com a dificuldade de uma raiz ao se desapegar da terra, se levantou e saiu. Deixou pra trás aquela que aprendeu a amar, mas só o fez por tê-lo aprendido. 

O que menina não entendia era que uma pedra não podia falar, não podia andar. Ela não entendia que foi o seu amor e sua atenção que mudaram a natureza daquele elemento. E que nunca mais seria uma pedra, por que havia mudado. Ela tinha medo que voltasse a ser algo que não saísse do lugar, que não mudasse e pudesse lhe machucar. Mas não entendia que o que seu amor mudou, o seu medo não faria voltar ao que era. 

A pedra caminha na esperança de que um dia a menina retome seus passos e a alcance na estrada, se for esse o seu destino. Reza para que aquele brilho que mudou sua natureza, volte a aparecer nos olhos da menina que caminhava. E quando voltarem se encontrar, que perceba que ali já não existe uma pedra, pois as pedras não podem falar.