quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Dry


Foi quando no meio da noite ela me procurou. Perdida, ferida, pedindo a Deus uma esperança. Eu, achando que escrevia para esvaziar o meu peito, mal sabia que era para ela que eu falava. Escutava de longe minhas linhas entre vozes, receios e partidas, em meio ao que eu nem via em mim, ela me viu. Quando eu procurava me encontrar, foi ela quem me achou. Falava em gratidão e esperança. Dizia que aquelas letras espelhavam sua alma. Como sempre, eu, não imaginava quem era a menina branca e cheia de palavras gentis. Saída de um conto daqueles que a gente canta para o filho dormir. Chegou, tomou lugar e fez morada. Logo ela, tão tímida, voz baixa, olhar que desvia de qualquer olhar que a busque. Assim desse jeito, me tomou para si naquele momento. Eu apenas não sabia.

As mensagens chegavam no meio da tarde. Conversas que duravam horas. Falávamos de tudo e de nada. Ela me mostrava as canções que gostava. Eu nem sempre as ouvia, confesso. Mas sempre às guardava. Eu mostrava para ela, antes de todos, alguns dos meus versos. Erámos amigos. Daqueles que gostavam de se falar todos os dias. Eu ria das coisas das quais ela se impressionava.  Ela se impressionava com tudo que eu ria. Lembro ainda de como era fácil falar. Não existia pesar, maldade ou feiura. Sua meiguice não abria espaço para o que não tivesse encanto, o que não fosse puro. Logo eu, cheio de sarcasmo e ironia, rabugento de nascimento, me vi então ouvir falar das histórias de um
príncipe pequeno. Pequeno era eu diante a sua singeleza.  

Mas o menino carregava muita coisa. Pesares, pesados, pulsantes, culpado. Preso ao passado. Ouvia as vozes que sempre o faziam pensar que não havia como ser melhor do que aquilo que se condicionou a ser. Então se afastava. Ia e voltava. Tentava viver a vida, fazer o que é certo. Mas o que é o certo, nem sempre é o que parece ser. Contudo ela, de um jeito só dela, esperava de longe. Em silêncio. Em quietude. Em sereno. Guardava as músicas que ouvia. As coisas que sentia. As conversas que queria ter. Olhava para lua. Mudava o cabelo. Olhava as mensagens. Até que um dia ele voltasse. Escrevesse um “olá” e, de novo, tudo se repetisse. Assim foram horas, dias, meses e anos. Em uma versão não menos romântica de um amor que era impossível, de quem só se correspondia por mensagens. Mesmo assim, ela ficou lá. Esperou. Me esperou.  

Era noite. Eu sempre lembrava dela quando caia a noite. Podia ser porque conversávamos por horas na madrugada. Talvez por ela sempre falar da lua. Fazia falta. Ela, de certo modo, era tudo que faltava em mim e tudo o que eu queria ser. Quando liguei, não reconheceu minha voz. Tinha decido ir em frente, ainda que me levasse dentro dela. Não sabia que eu tinha uma notícia. Eu precisava falar de tudo que era em mim, de tudo que já não era eu. 

Precisava dizer que meus olhos sentiam falta de tocá-la. Que meus lábios, ainda que nunca parassem de falar, precisavam silenciar nos dela. Tocar seu rosto corado por ouvir essas coisas. No fim, eu só queria conversar com ela por todas as tardes do resto da minha vida. Queria deixar de ouvir as músicas que ela me mandava, mas sempre prometer ouvir depois. Terminar o livro que ela me deu e ainda está pela metade. Mandar flores e comprar chocolate. Segurar sua mão e sempre deixar ela andar do lado da sombra. Não usar o protetor solar que ela me deu. Parar de mexer no celular enquanto ela fala comigo. Olhar para ela enquanto faz o almoço e sorrir, até ela perceber e ficar sem graça. Sentar na mesa e ouvir as histórias da mãe dela. Tomar sorvete à meia noite, sem Ovomaltine, por favor. Dormir no sofá quando ela escolher o filme. Falar o quanto ela é elegante. Deixar que cochile em meu peito. Dormir sempre antes dela e não deixá-la dormir até 12h. Chamar de branquinha, branquela, branqueza e, quando a chamar pelo nome, achar que eu estou chateado.   Contar os sinais em suas costas. Fazer cócegas, mesmo quando ela finge que não gosta. Olhar pela janela a aterrorizante antena fazer barulho com o vento. Ser contra opinião dela no futebol e na política. Beijar sua testa sempre que puder. Tirar fotos. Achar a coisa mais linda do mundo quando esfrega as mãos por estar nervosa, por estar sem graça. Focar, pedir um sorriso, ganhar um sorriso, perder o foco. Deixar ela ficar acariciando minha barba. Ser para ela amigo, homem, pai, protetor, marido, namorado. Acho que eu queria falar que queria apenas ser dela.  

 

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Guria




De sorte ouvi o teu cantar. Tão forte sussurro. Ela falou comigo e parecia comigo. Sozinha sentia, leu em linhas o que espelhava sua alma. Tão doce nasceu esperança de que alguém no mundo entendia. Cansaço, tristeza, solidão e calma. Ela agradeceu e sorriu. Na verdade, ela sorriu inúmeras vezes mais. E foi no sorriso dela, não empatia taciturna de dois desabrigados, é que me fiz amá-la. Aos poucos, uma música, uma mensagem, uma falta no meio do dia. Ia em frente e a deixava no mesmo lugar, até entender que as direções estavam erradas. Isso mesmo, eu não seguia em frente, eu voltava para trás. Só depois percebi, guria, que ela não ficava quando eu ia, mas que esperava eu chegar.